Segunda-feira, 31 de Outubro de 2005

De um só fôlego...

carros.JPG

Capítulo II

“...Bom como o milho! Haverá elogio mais “excitantemente animal” que um homem possa ouvir de uma mulher bonita, simpática, elegante, madura... antes mesmo de se conhecerem? Não me parece. Mas foi esse o elogio que eu hoje ouvi. Não directamente da boca dessa mulher, que soube, de seguida, chamar-se Ana e viver no apartamento em frente ao meu. Mas da boca da sua filhota (não terá mais que 5 anos), repetindo certamente algo que ouvira da boca de sua mãe... e da boca das crianças vem a verdade! Ponto assente: esta mulher reparou em mim, por bons motivos... E eu, eu já tinha reparado nela antes...e não apenas uma vez. Tinha reparado particularmente no cheiro delicioso que deixava no rasto da sua passagem, no hall da escada, no elevador. Um cheiro a mar, como se estivesse acabada de chegar da praia, que me punha todos os sentidos alerta, e me conduzia aos devaneios mais extraordinários.”

Estes eram os seus pensamentos, mascarados atrás de um sorriso simpático, enquanto, sentado no carro ao lado dessa mesma mulher, observava a sua atrapalhação, denunciada por um ligeiro rubor nas faces e alguma imprecisão de movimentos. Estavam os dois sós.

- Desculpe Ana. Não precisa dar de novo à chave...o motor está a trabalhar – observei, sorrindo, logo após aquele ruído de arranhar típico do motor de arranque quando é indevidamente accionado com o motor do carro já em funcionamento.
- Ai! É que estou cheia de pressa...como disse que se chamava? – fazia-se esquecida, enquanto o rubor das faces aumentava.
- Miguel!
- Hmmm pois...Miguel. É que tenho tido um dia para esquecer. E a procissão ainda vai no adro. Onde quer que o deixe?
- Olhe Ana...vou sem destino especial. Estou no meu dia de folga. Siga o seu caminho, que eu fico em qualquer lado – a voz dele pretendia ser segura, mas começava a sentir certas sensações no estômago...como se estivesse a passar uma lomba na auto-estrada a alta velocidade.
Tinha que se controlar. Afinal...era apenas uma vizinha. Uma vizinha bonita, de acordo...mas apenas isso. Não... era mais do que isso...ela era de facto bonita. Discreta, mas bonita. Aquele narizinho arrebitado denotava determinação e algum atrevimento. Aquele modo de vestir, com um desmazelo estudado, acentuava-lhe as formas suaves. E aquele cheiro a maresia, insólito num dia de chuva como aquele...era desconcertante e desarmava-o. Onde estava a confiança que o caracterizava?

- Muito bem! Vou ali para os lados do Marquês. Dá-lhe jeito?
- Óptimo! Perfeito. E peço-lhe imensa desculpa de abusar desta forma, logo no dia em que nos conhecemos.
- Não tem que pedir desculpa...hmmm...
- Miguel – acrescentou ele de imediato. “Segunda vez em pouco mais de um minuto. Não era esquecimento. Era a tentativa de mostrar indiferença”, pensou ele sorrindo, nervoso, para dentro.
- Sim....Miguel....ai a minha cabeça...estou mesmo stressada.
- Olhe Ana...sei que nos conhecemos em circunstâncias peculiares...talvez embaraçosas para si. Mas não gostaria que isso, de alguma forma, impedisse que fossemos...hmmm...bons vizinhos.

Sentiu-se irritado consigo próprio ao dizer isto. “Bons vizinhos? Mas que raio de coisa para se dizer a uma mulher que cheirava daquela sublime maneira. E, vendo bem... porque raio se tinha ele vestido tão mal hoje? Teria ela reparado no buraco da meia que espreitava fora do sapato, ligeiramente acima do calcanhar? E nos sapatos já um pouco usados de mais? Aiii... não estou bem, não! E desde quando sou homem para me preocupar com estas coisas? Porque estou com estas preocupações?” – os pensamentos corriam-lhe em catadupa, enquanto o carro, pequeno, utilitário, ligeiramente em desordem denotando a presença frequente de crianças, enfim um carro a condizer com ela, rompia o inferno do trânsito molhado.

- Claro que não! – disparou ela, talvez um bocadinho rápida de mais – Sabe como são as crianças. Inventam cada coisa!
- É verdade. Crianças...têm uma imaginação sem limites.

Dissemos mais umas quantas coisas, simpáticas e de ocasião, um ao outro. Tipicamente de “bons vizinhos”. Mas confesso que não sei o quê. Precisava de sair daquele carro para por a cabeça em ordem. Precisava de respirar uma golfada de ar, de apanhar chuva...precisava de retornar para a realidade, de sair daquele sonho inacessível. Tinha sido apanhado num rodopio de emoções que não tinha procurado. Ou tinha?

- Ana...olhe, fico mesmo aqui, por favor! – disse ele, sem olhar sequer para onde estavam.
- Aqui? Mas...Miguel ... – “Olha...afinal sabia o meu nome!!” – estamos em plena 2ª circular...não posso parar!
- Tem razão...Anaaa.....cuidadoooo!!! – teve que efectuar uma travagem brusca, para evitar bater no carro da frente que tinha parado. Derrapou ligeiramente, mas evitou o pior.
- Ai,minha nossa senhora...distraí-me – ela estava nitidamente perturbada e nervosa. Tanto ou mais que ele.
“Tenho mesmo que sair. Se não isto acaba mal!” – pensou – Ana, saio agora, que o trânsito está parado. Obrigado e, mais uma vez, desculpe ter abusado ao pedir boleia!

Saltou do carro, sem sequer ouvir a resposta, e deu uma corrida para a berma. Chovia muito. Soube-lhe bem sentir a água a ensopar-lhe as roupas, a escorrer-lhe costas abaixo, por entre o colarinho da camisa e o pescoço. Olhou para trás...o carro continuava parado na fila...ela olhava-o....sorriram-se! Ele correu, como que fugindo de uma atracção que não sabia como enfrentar, tentando afastar o cheiro a mar que o perseguia e que se tornava mais intenso com a própria chuva.

“Se calhar não devia ter simulado aquela avaria no meu carro!” – pensou – “Tarde de mais. O que está feito está feito. Mas...porque o fez? Foi o meu ego de macho, massajado pelo epíteto de bom como o milho, que me fez querer mais? Confesso que não sei...mas que raio de coisa. Eu sou um homem seguro, não caio nestas fraquezas à primeira vista”.

Encharcado, seguiu a pé, de regresso a casa, na esperança de encontrar um táxi que o reconduzisse ao seu mundo...

(continua)

@ autor: Francisco
Decreto-Lei decretado por PrincesaVirtual às 15:03

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