Estava sentada no muro. Eu, o muro e o mar. Não
o mar, eu e o muro. Sim era essa a ordem. Parece estranho, mas não é!!! A ordem tem que ser esta, tem tudo a ver com o que sentimos primeiro. E naquele dia sentia o mar em primeiro lugar. Queria ser o mar, doía-me a vista de tanto olhar para a «fina linha do horizonte» e esperar que algo surgisse. Não sei bem o quê, mas ALGO.
Andava estranha desde esta manhã, e tomei uma decisão. Antes do almoço, «baldei-me», arranjei uma dor de cabeça, uma má disposição, ouvi um colega sussurrar «deve estar nos dias difíceis», aproveitei a deixa, coloquei a mão na zona dos ovários e fiz um pequeno esgar de cólica. E «voilá» ali estava eu e o mar.
Estava um sol quente, mas não demasiado quente e uma brisa fresca que me trazia o cheiro da maresia. Era um dia de Primavera perfeito. Pouca gente, apenas uns pescadores junto aos barcos a remendarem umas redes. Se não fosse aquele «frio no estômago», seria um dia perfeito. Mas que raio teria eu hoje!!!
Tinha sido um fim-de-semana normalíssimo. Se bem que sempre que olhava para o João algo me perturbava mas também não entendia bem o quê. Seria o seu olhar distante? O desviar dos seus olhos, sempre que se cruzavam com os meus??. Sábado á noite depois do jantar enroscámo-nos no sofá, a ver um filme e a beberricar um «chá de canela». Tinha brincado com o poder afrodisíaco da canela. Mas apenas recebi um sorriso, não vi o olhar malandro, não recebi um beijo, uma carícia. Sim, era o João. Ele estava distante.
Bolas isso não era nada bom!!! Tinha andado a ler uma daquelas «novelas de cordel», e era assim que começava tudo, um olhar distante, um papel num bolso de umas calças esquecidas no chão, uma sms, ahhhh e a marca do batom no colarinho imaculadamente branco da camisa dele. Lembrava-me do nome da amante era Lídia. Foi um sofrimento atroz para todas as personagens, dei por mim com uma lágrima ao canto do olho, que tentei limpar e disfarçar, era ridículo estar a chorar com um livro daqueles.
Bolas, não era mulher para ser traída. Nunca me vi nesse papel. A infidelidade não fazia parte do meu dicionário de uma «relação».
Mas agora pensando bem
ele não largava o telemóvel este fim-de-semana e lembro-me que ouvi imensas vezes aquele «bip-bip», de mensagens a chegar.
Porreiro agora estava mais do que estranha. Estava com uma sensação de «peso» no coração e acima de tudo na testa. Mas isto não iria ficar assim, ai não
já sentia o calor do despeito, da ira, da zanga e acima de tudo da tristeza.
Continuava a olhar para o mar, mas o que via era imagens que rebentavam a cada onda, umas atrás das outras. Eu a apanhar o João em casa com a outra mulher, a discutirmos, ele a dizer-me que não me amava, que gostava de mim como amiga, que queria continuar a ser meu amigo. E por fim a ultima cena, eu jogada em cima da cama a chorar como uma «Maria Madalena» e ele a ir buscar a máquina de barbear, a escova de dentes e a bater a PORTA.
BOLAS, maldito livro!!!! Tinha-me tornado uma personagem viva do livro. Bom, chega!!! Aquele local, Sesimbra, também não era muito bom para os meus pensamentos. Adorávamos ambos Sesimbra e cada recanto era uma recordação. Ele trabalhava em Almada, pensei em lhe dar um telefonema, era 1 hora da tarde, talvez ele quisesse almoçar comigo. Mas pensando melhor, estava de mau humor, não seria boa companhia, seria melhor acalmar-me e almoçar sozinha.
Dirigi-me para o nosso restaurante, um daqueles restaurantes que tínhamos encontrado há alguns anos, numa daquelas ruas estreitinhas, tinha aspecto de «tasca». Mas o peixe era delicioso e fresquinho.
Tal como esperava estava quase vazio. Havia apenas um casal a um canto e uma ou outra pessoa espalhadas pela sala. Sentei-me num mesa banhada pelo sol, fiz o meu pedido e diverti-me a ver passar as pessoas, enquanto me perdia novamente em pensamentos. Mas algo me chamou a atenção, pela familiaridade. Um inclinar da cabeça, o passar os dedos pelos cabelos, a gargalhada!!!!!! Não era possível!!! IMPOSSÍVEL!!!
Levantei-me, respirei longamente e dirigi-me para a mesa onde estava sentado o casal. E disse com a voz mais calma do mundo
«Olá João, que coincidência encontrar-te aqui».
Esperei para ver a sua reacção, vi espelhado o espanto, fixou-me nos olhos e disse-me «Ana, é verdade que coincidência
olha queria aproveitar para te apresentar uma pessoa a Lídia».
Uma vertigem sacudiu-me o corpo todo, fechei os olhos por momentos. Tentei controlar os sentimentos que me estavam a assolar
mas Lídia era o nome da infame!!! A amante!!! Ali estava a prova viva da infidelidade. A racionalidade abandonou-me, a fúria tomou conta de mim e
.Disse-lhe tudo!!! Que o amava, que nunca achei possível que ele me traísse, que me achava bem mais bonita que a Lídia, que não merecia que ele me tratasse assim e que não, não queria ser só amiga dele, que essa amizade me magoava.
Quando parei, reparei que o João olhava atónito para mim (assim como a parca clientela da tasca), que a Lídia estava branca como a «cal» e eu ainda a tremer de raiva. Foi quando ouvi «Ana, queria-te apresentar a minha nova chefe, acabei de aceitar a proposta de um novo emprego, depois de ter hesitado bastante».
Demorei 1 mês a reconciliar-me com o João, 8 anos para que ele deixasse de me relembrar (dia sim dia não) a minha figura naquele dia, vários jantares para que a Lídia percebesse que afinal era uma pessoa normal (apesar de tudo tinha gostado do João e ele ficou com o lugar) e bom
os romances de cordel foram proibidos lá em casa.
@ Deixem-me fazer um reparo, esta Estória é ficticia. Se me poderia ter acontecido? SIM. Com 20 anos seria capaz de isso e muito mais. Agora??? Humm agora há quem diga que o faria assim também :) mas com mais certezas, e sem duvida com mais requintes de «malvadez»